O depoimento de Andreia Rosado acontece com a testemunha visivelmente emocionada. A mulher de Sérgio Rosado diz que “não vale tudo independentemente da profissão das pessoas”.

Recorda os episódios de acne do cantor, os rendimentos que “não são os mesmos” e diz que há “coisas graves que só não aconteceram porque temos uma família incrível.” A juíza indaga que “coisas” seriam essas. “A nível psicológico eles ficaram muito afetados”, contesta.

Andreia recorda um episódio no shopping em que “foram fazer compras para a casa”. “Estava perto dos meus filhos e uma pessoa ao meu lado, a poucos metros, começou a verbalizar e a gozar com o Sérgio”, conta. Diz ter ouvido só “palavras soltas”: “Se ele cantasse agora o hino”, “um milhão”. Rosado admite que teve de “intervir”.

Depois de Sílvia, é a vez de Andreia. A administrativa, casada com Sérgio Rosado (Anjos), toma agora o lugar testemunha.

A advogada de defesa de Sérgio e Nelson Rosado (A) questionou Sílvia Rosado sobre o teor de Julgamento do Ano, um episódio de Extremamente Desagradável, a rubrica diária da Renascença assinada por Joana Marques.

Nesse episódio, emitido em janeiro deste ano, recordam, é sugerido que “este julgamento deveria ser julgado por um daqueles juízes de programas da SIC ou da TVI”. No entanto, o tema é interrompido pela juíza responsável (J):

J: “Não tem a ver com danos”
A: “Tem a ver com a conduta”
J: “Posterior ao facto”

A mulher de Nelson Rosado diz que a filha de 15 anos não consegue ignorar a polémica. “Digo-lhe para ela não comentar, mas é impossível, ela tem redes sociais”, começa por dizer.

A também manager diz que a filha comentou inclusivamente o post de Joana Marques, mas que “esse comentário foi eliminado”. Tratava-se, diz, de um comentário em defesa do pai. “Pelo menos é um comentário que fica aqui em defesa”, disse, citando a justificação da jovem para comentar a publicação.

Testemunho de Sílvia Rosado começa com as memórias da dificuldade em dormir de Nelson e o derrame ocular. Mas rapidamente o depoimento se foca no efeito da polémica do vídeo nos filhos que tem com a metade dos Anjos. “O pai não está bem”, recorda-se de ouvir do filho. “Isto tem um efeito no pai.”

“Tive de o começar a adormecer”, recorda em tribunal. “Eu nem sou religiosa”, diz, antes de contar como, à noite, “agarrava nas mãozinhas dele, fechávamos os olhos” e… Faziam uma “meditação”?, pergunta a juíza. Sílvia não concorda com a palavra. Prefere “oração”. O filho, hoje com 13 anos, tinha então 10.

Uma hora depois do testemunho da produtora, é a vez de Sílvia Rosado, mulher de Nelson Rosado, depôr em tribunal.

“Deixe passar”, adverte a juíza, enquanto mais um avião impede que se ouça o que Sílvia tenta dizer. O facto de ser casada com um dos elementos da dupla dá-lhe o direito de não prestar declarações, lembra a juíza, mas a testemunha escolhe fazê-lo.

Uma hora de depoimento depois, Timi Montalvão é questionada agora pela advogada de Joana Marques, que pergunta à produtora se sabe a profissão da sua cliente — isto depois de Montalvão ter concedido que, observando o vídeo, “claro que se percebe que foi uma mistura para tentar brincar”.

“Humoristas tentam fazer piadas com piada que façam rir”, diz a produtora. “E não piadas que humilhem. Isso para mim não é humor, é humilhação pública”, continua. “Eu não gosto desse tipo de humor.”

Montalvão vai mais longe e diz que não se refere apenas à “pseudo-brincadeira ou piada com os Anjos”. “A Joana adora humilhar pessoas”, acusa. “Já tive conhecimento de publicações da Joana humilhar pessoas doentes, a humilhar pessoas deficientes.” As sobrancelhas franziram-se na equipa jurídica da humorista, que logo segredou algo à advogada. “Quais piadas foram essas?”, questiona a advogada de Joana Marques.

Timi Montalvão contesta: “Não lhe posso precisar neste momento”.

A produtora volta ao tema dos limites do humor, desfocando-se de um caso específico e generalizando: “O humor não pode tudo. O humor não pode provocar humilhação pública.”

“Cada vez que se fala neste julgamento, tudo explode novamente”, diz Timi Montalvão, produtora da banda. “Cada vez que há notícias sobre o processo Joana Marques vs Anjos, o bullying digital continua”, diz. A juíza interpela-a: as notícias deste julgamento afetam a banda? “Cada vez que se fala neste julgamento. os comentários maliciosos, maledicentes, continuam”, contesta a produtora.

“Quem é que fala disto”, pergunta advogada? “Os humoristas, a própria Joana Marques”, diz, ainda que reserve que a humorista o fez “em poucas alturas”. Montalvão disse ainda que, normalmente, a banda tinha uma média de 40 a 50 concertos por ano e que agora têm “cerca de metade”.

E dá como exemplo “um concerto que foi cancelado depois de a Joana Marques ter ido a um programa da SIC”, disse, referindo-se ao talkshow Júlia, apresentado por Júlia Pinheiro, em que a humorista foi convidada ao lado das colegas locutoras da Renascença.

Ilustração de Teresa Dias Costa

Fez-se luz, literalmente. Ouve-se o correr das persianas e o oficial de justiça dá à manivela para abrir uma das sete janelas da sala sem ar condicionado. Mas os livros — e um leque! — continuam a não ser dispensados por quem os segura enquanto assiste ao depoimento da produtora, que prossegue.

Montalvão diz que a equipa dos artistas procurou “repor a verdade” publicando o clipe gravado no autódromo. Mas “uma coisa boa nunca consegue superar uma coisa má”, nota. “O vídeo continuou a onda de ódio”, disse, referindo-se ao vídeo publicado por Joana Marques.

A produtora dos Anjos revela ainda que recebeu mensagens privadas de ódio. “Nunca tinha visto uma coisa destas”, disse. “Não queiram saber o que é passar por isso.”

Timi Montalvão recordou como os Anjos “sempre foram artistas low profile, pessoas super queridas pelo seu público, pelos seus pares, pelo público”

E, questionada pela advogada dos Rosado, não tem dúvidas: Joana Marques publicou as imagens “com o intuito de prejudicar a nossa carreira”. “Feriu o bom nome, a boa imagem”. “Como é que ela poderia não ter essa noção?”

As fileiras de cadeiras de madeira da sala de audiências nunca estiveram tão preenchidas. Ana Galvão, locutora da Renascença e colega da humorista no programa Três da Manhã, também assiste à sessão.

Timi Montalvão conta ao tribunal que estava no “dia profético” no Algarve, altura em que gravou o vídeo da atuação, como habitualmente faz com outros concertos “para registo”, afirma.

A produtora emociona-se. “[Aquele momento, em Portimão] Ia ser uma grande honra”, diz com a voz embargada. “Foi muito difícil para todos nós porque a cultura foi a primeira a fechar e a última a abrir no pós-pandemia”, continua. A produtora pede “desculpa” à juíza responsável por “estar sempre a falar em nós”. “Os Anjos somos todos nós, somos todos uma equipa, uma família. Somos 28 pessoas, 28 famílias, que trabalhamos juntos e vivemos juntos na estrada.”

A produtora recorda como recebeu os primeiros comentários: “sabíamos que ia passar”, “são coisas do momento”. “Só que no dia a seguir…”, começa por dizer, aludindo à publicação de Joana Marques, com um “vídeo completamente manipulado.” “Não queria acreditar no que estava a ver.”

Diante da juíza está agora Timi Montalvão, produtora executiva dos Anjos. Esclarece que está com a banda há mais de 20 anos (é da sua autoria o vídeo que foi exibido ontem, terça-feira, que captava a atuação com recurso a um telemóvel).

O início do depoimento é interrompido por vários segundos devido ao sobrevoo de um avião — algo quem sido recorrente durante os depoimentos de várias testemunhas.

Luís Ramos elucida que se trata de uma empresa de “medicamentos de marca própria, inclusivamente alguns originais” e que a dita firmou um contrato com os irmãos Rosado que “previa a exploração de imagem dos Anjos” e que incluía, entre outras coisas, “um concerto privado para a nossa empresa, parte técnica, luz, deslocações”, diz. O contrato seria de 85 mil euros (+IVA) por um período de dois anos.

O sócio-gerente da empresa diz que a escolha dos Anjos para promover a marca recaiu no facto de ser até então uma “banda associada a ações solidariedade”, em particular “contra o cancro da mama”.

“Tudo começou a 24 de abril de 2022”, recorda em tribunal. “Parecia uma bola de neve”, diz. Os comentários multiplicaram-se e ficaram “alarmados”. “Achámos internamente que não fazia sentido para a nossa a empresa ficar associado a esta polémica que estava a existir.”

Estamos de regresso à sala de audiência, após a pausa para a almoço. Sem ar condicionado, os presentes já recorrem a folhas de papel como leques improvisados na tentativa de aliviar o desconforto térmico da sala. Os sorrisos são quase audíveis quando entra uma ventoinha bege na sala, que é colocada junto à juíza.

A primeira pessoa a ser ouvida é Luís Ramos, que se apresenta como sócio-gerente de uma empresa de produtos farmacêuticos. Perante a juíza, diz que é “amigo” dos irmãos Rosado.

Ouvidas cinco testemunhas, é tempo de fazer uma pausa para almoço. A sessão continua da parte da tarde, às 14h. Estão previstas outras cinco testemunhas — uma delas requerida por ambas as partes.

Bruno Carvalho, empresário na área do desporto e construção, é o próximo a depor. O empresário surge na sala de tribunal de muletas, e começa o depoimento recordando como conheceu os Anjos quando vivia “sozinho” em Angola, onde era transmitida a novela Vingança, da SIC — e cujo genérico era a canção Eu Estou Aqui, da dupla de artistas.

Carvalho explica como celebrou um contrato com a Angel Minds para um patrocínio à banda de cerca de 75 mil euros por dois anos (+IVA). Mas também ele acabaria por cancelar o acordo depois de ver um “vídeo com algumas brincadeiras no meio”, nas suas palavras.

“Fui confrontado com isso”, recorda. “Já viste o que se está a passar?”, ter-lhe-ão dito ao mostrar o vídeo que estava na página de Instagram de Joana Marques.

O empresário disse que ouviu como ia “estar associado” a uma polémica. “Na altura teve um impacto grande”, afirma, recordando os comentários sobre “assassinar o hino”. “Disse: não posso estar no meio disto”, continuou. “Tomei coragem e liguei ao Nelson” — e reproduziu: “Não me leves a mal, mas, com tudo isto que está a acontecer, tenho de olhar para o que pode sobrar para a minha empresa”. Nelson Rosado vai acenando afirmativamente.

Um dos argumentos da dupla Anjos reside no cancelamento de contratos e patrocínios por causa do vídeo em questão. Por isso depõe agora Pedro Miguel Ferreira Duque, gestor de empresas, que tinha sido celebrado contrato com os cantores para dar um “boost” e “alavancar a divulgação da marca” — marca essa não divulgada.

Só que o contrato acabaria por ser cancelado a 9 de maio, depois do vídeo ter sido disseminado. “Cada um de nós tem o nosso próprio negócio e o que não quer é má publicidade e polémica”, justificou em tribunal. “Nós representando uma marca [não revelada] que não é nossa e que estamos a representar em Portugal…”

“Não sei no dia 9 de maio o que se terá passado e o que tinha sido falado, mas o tema do conflito entre as duas partes já era latente”, continua. “Achámos que não era benéfico”, resumiu.

Questionado pela advogada dos irmãos Rosado do motivo que o levou a cancelar o contrato com os Anjos, Pedro Duque respondeu: “A dimensão da situação, aquele vídeo correr por todo o lado”.